Fala-se muito atualmente de pobreza e de pobres, o que é justo fazer, mas não é disto que vou tratar aqui hoje. Aqui falamos da pobreza “interior”, ou seja, daquele “vazio” que sentimos dentro de nós quando olhamos para a profundidade do nosso ser. S. Agostinho disse tudo ao escrever: “O nosso coração foi feito para ti, Senhor, e ele está inquieto enquanto não repousar em ti”.
Tendo sido criados “à imagem e semelhança de Deus”, é natural que todo o nosso ser grite por Deus como o Único que pode saciar a sede do nosso coração. Somos humanos, mas somos naturalmente “sedentos de Deus”. Na Idade Média falava-se muito do “desejo de ver a Deus” inscrito nas profundidades do ser humano.
Thomas Merton, convertido à Igreja católica, depois monge cistercience, falecido em 1968, exprime esse drama dessa forma: “Mesmo sem nossos erros e pecados, tudo que somos ou podemos ser ou possuir nos aparece como se nada fora, pois não tem o poder de nos alcançar o imenso dom situado além de nossa condição humana e que é, no entanto, a única verdadeira razão por que fomos criados” (Novas Sementes de Contemplação, Editora Fisus, Rio de Janeiro, 2001, p. 257).
Esta é uma espécie de “tortura” que faz sangrar o nosso coração. Deus nos fez “sedentos” do divino, mas Ele parece “esconder-nos” a fonte onde poderíamos matar a nossa sede. Melhor: Ele “se esconde” de nós, deixando-nos às escuras com a nossa sede. Por natureza fomos feitos assim, mas esse sofrimento é ainda maior quando olhamos para nós e nos descobrimos cobertos de fraquezas, falhas, pecados, erros... Mesmo sendo pessoas dedicadas à oração, à renúncia ao mal, à vida cristã exemplar, à busca da santidade..., apesar de todo esse esforço, Deus parece fugir-nos das mãos, e isso nos incomoda.
É fundamental tomar consciência dessa “ausência” de Deus e aceitá-la com serenidade. De novo cito Thomas Merton: “Quando a paz se estabelece na alma e aceitamos o que somos e o que não somos, começamos a compreender que esta grande pobreza é nossa maior fortuna... Tornamo-nos como vasos esvaziados da água que continham, para poderem ser repletos de vinho. Somos como vidraças bem lavadas, livres da poeira e da fuligem, a fim de que, ao receber os raios do sol, elas desapareçam em sua luz. Uma vez encontrado este vazio, nenhuma pobreza nos parece suficiente, nenhum vazio bastante vazio, nenhum grau de humildade nos rebaixa à medida de nossos desejos” (p. 258-259). Em palavras mais simples: é na profundidade do nosso vazio que encontramos o Senhor. Tudo depende da nossa paciência e da nossa fé.
Existem muitas pessoas que vão em direção contrária: querem “ver”, querem “sentir”, querem “tocar”, querem “ouvir” Deus; buscam vozes, milagres, revelações, acontecimentos extraordinários... Tudo ilusão! Confundem a fé com sensações, sentimentos, emoções. É frequente encontrar gente que avalia uma celebração religiosa pelo grau de emoção que ela produz, dando pouca atenção ao real encontro com Deus por meio da fé pura e simples. Tudo ilusão! Deus não está nessas coisas: Ele está muito em muito maior profundidade, está no seu “vazio” interior, está na “escuridão” da sua alma; Ele não se deixa ver, não se deixa tocar, mas está aí realmente.
Se você vai enchendo o coração de coisas criadas, sobretudo se você o enche de você mesmo, julgando com isso matar a sede de infinito, está muito enganado. Quanto mais você mesmo ocupar lugar em seu coração, mais seu “vazio” interior vai desaparecendo, e desaparecendo o “vazio”, já não há lugar para Deus. É aqui que se encaixa a necessidade da “renúncia” de tudo que não for Deus, não no sentido de desprezar as criaturas, mas no sentido de não se apegar a elas como se fossem o nosso “deus”.
Há especialmente um “deus” ao qual temos a tendência de nos agarrar: somos nós mesmos. Desde que eu me torno o “deus” de mim mesmo, não há mais lugar para o verdadeiro Deus. Enfim, temos que ter real “pobreza interior”, se quisermos que Deus habite em nós. Este é o caminho da santidade.
S. Agostinho põe o alicerce da santidade na humildade, isto é, no “vazio de si mesmo” para que Deus possa realizar a sua obra, que é a nossa santificação. É Deus, somente Deus quem nos santifica; nossa parte consiste em colaborarmos com Ele, retirando os obstáculos (que somos nós mesmos) e acolhendo o seu dom com humildade e disponibilidade. Este é o sentido profundo da renúncia na vida cristã: desobstruir o coração de todo impedimento para que Deus possa habitar nele e tornar-nos santos.
O desapego deve ser total, o mais possível. Se por acaso Deus nos conceder dons especiais, até deles devemos estar desapegados, porque os dons de Deus ainda não são o próprio Deus: devemos ser gratos a Ele, não, porém, apegados a eles. Por outro lado, isso não significa cruzar os braços, nada fazer, esperando que Deus faça tudo. S. Agostinho: “Aquele que te criou sem o teu consentimento não te salvará sem o teu consentimento”. Na prática, devemos fazer tudo como se tudo dependesse de nós, sabendo que é Deus quem tudo faz em nós.
Talvez tudo isso lhe pareça um pouco difícil de compreender, mas é muito importante para não confundir santidade com “dons” especiais, com acontecimentos extraordinários. Na humildade, na simplicidade, na serenidade, no esvaziamento de si mesmo é que você encontrará Deus. A Bem-aventurada Madre Teresa de Calcutá passou quarenta anos em profunda escuridão espiritual, parecendo-lhe nem mesmo ter fé; entretanto, era no meio dessa escuridão que estava Jesus, de quem ela nunca se apartou. Isso não acontece com todos os santos, mas o caminho percorrido por todos os santos foi mesmo esse, como disse João Batista referindo-se a Jesus: “É preciso que Ele cresça e que eu diminua” (João 3,30).
fonte:http://domhilario.blogspot.com/
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